Sobre O FOTÓGRAFO DA MADEIRA


LEITURAS DA FERNANDA

 

  
“O Fotógrafo da Madeira” de António Breda Carvalho é um livro que não pode passar despercebido no círculo de leitores portugueses. Porque na verdade um bom livro é aquele que nos espevita a curiosidade, nos ensina e ao mesmo tempo nos conquista a alma. E esta foi realmente uma leitura que me conquistou em absoluto.

Apesar do aviso do autor no inicio, a realidade mistura-se com a ficção, e chegamos ao final com a esperança de que as personagens de papel tenham sido inspiradas em personagens reais. O percurso de Afonso Elias Ayres Drummond e a postura com que é apresentado não pode ser apenas fruto da imaginação. Uma personagem tão extraordinária deverá ter sido certamente inspirada em dois ou três personagens reais. Pessoas com ideais mais altos que lutaram em prole de um povo e influenciaram o modo de pensar de uma população. Quero acreditar nisso!

António Breda Carvalho faz parecer que escrever é simples. Cativa-nos com a sua forma de escrever e com a maneira como envolve o leitor. Julgo que a grande riqueza deste livro é mesmo essa, a facilidade com que entramos na história e naquela época. O autor entrelaça a história da Madeira com o desenrolar de um romance, à partida condenado pela diferença social.

Adorei cada pedacinho deste romance ao mesmo tempo que relembrava o que aprendi na escola e com outras leituras sobre a História de Portugal.

Tenho apenas um ponto a apontar: a rapidez com que se deu o desfecho, que apesar de tudo o sabíamos como sendo a única solução.

Não obstante, foi uma leitura extremamente interessante, com a qual aprendi imenso e me fez pensar que a actual realidade política e social apenas reflete o passado.

Recomendo!

LEITURAS DA FERNANDA

Entrevista

Entrevista publicada pelo Jornal i em outubro

 

Tem algum método de escrita?
Tento cumprir o tempo destinado à escrita, almejando alcançar o número de páginas previstas para cada sessão de trabalho. Escrevo linearmente, construindo o romance como quem edifica uma casa: dos alicerces para o telhado.
 
 
Faz algum esboço das personagens e da trama?
Cada romance é escrito a partir de uma grelha previamente elaborada. Tal como a planta de uma casa: cada divisão é um capítulo, cada capítulo é um conteúdo. É por aqui que me oriento. Parto da ideia, num capítulo, mas não sei que forma e matéria terá. É caso para dizer que a história se autodetermina.
 
 
Faz muitas pausas?
Faço as pausas a que estou obrigado por imperativos profissionais e familiares. Tento evitar interregnos extensos para não quebrar o ritmo de escrita. Por este motivo, não há lazer nos fins-de-semana.
 
 
Espera pela inspiração?
Não. Vou ao encontro da inspiração durante o processo de escrita. A criatividade não nasce nem cai do céu; é gerada por estímulos intelectuais. É preciso procurá-la. Mas só a encontra quem a tem.
 
 
Escreve a computador ou à mão?
Computador. O Word permite-me ter boa perceção da estrutura do texto.
E neste momento, estando obcecado comas correções, o Word tem a vantagem de poder saltar de um lado para o outro com facilidade.
 
 
Usa um tipo de letra específico?
Times New Roman, tamanho 12.
 
 
Tem manias, como acabar sempre uma página, por exemplo?
Gosto de acabar uma sessão de trabalho com a página completa. Mas prefiro fechar o Word depois de ter completado uma sequência narrativa, mesmo que isso implique uma página incompleta.
 
 
Pensa logo no título ou surge depois?
Primeiro penso na ideia geral do romance, e logo depois no título.
 
 
A primeira frase mantém-se ou muda?
Não me lembro de alguma vez ter mudado a primeira frase. Esta é já o resultado de um trabalho de seleção entre um vasto leque de possibilidades. Por ser a primeira, tem de ser uma frase perfeita em todos os sentidos. Pelo menos tento. As restantes sofrem, muitas vezes, tratos de polé.
 
 
Evita ler livros quando escreve?
Não. Invento tempo para ler, nem que seja em sítios inusitados. Nem sequer receio sofrer influências de outros autores. Nunca me desvio do registo de escrita selecionado para um romance.
 
 
Ouve música enquanto escreve, ou prefere o silêncio?
Consigo trabalhar com ruído à minha volta, em espaços privados e públicos, desde que ninguém interaja comigo. Prefiro bandas-sonoras (de filmes, por exemplo).
 
 
Qual é a sensação que fica quando termina um livro?
Se tiver a consciência de que escrevi um romance com qualidade, fico com a sensação de que a vida é bela. Este estado de graça dura menos de um mês; depois a vida, sem romance, deixa de ter sentido, e a fome de escrita começa a apertar. Tornou-se um vício depois de ter ganho o Prémio Literário João Gaspar Simões.
 
 
Trabalha em mais de um livro ao mesmo tempo?
Não alinho neste tipo de promiscuidade literária.
 
 
Escreve em casa?
Prefiro o aconchego do lar. Mas sou bioadaptável.
 
 
O que não pode faltar na sua mesa de trabalho?
Dicionário de Português e internet.
 
 
Em que está a trabalhar neste momento?
Estou a cinco capítulos do fim do meu último romance. Como sou disciplinado, sei que estará pronto no dia 31 de Dezembro próximo. O título? É segredo. Mas posso adiantar que é diferente de “O Fotógrafo da Madeira”. Em tudo.
 
 
Já deitou fora muita coisa que tenha escrito?
Nunca me aconteceu. Guardo tudo: o bom e o medíocre. Não tenho trabalhos incompletos, vitimados pela crise da folha em branco. Levo as empreitadas até ao fim. Só desisto rendido à falta de qualidade.
 
 
Como dá o nome às suas personagens?
Procuro nomes que tenham a mesma força, ou fraqueza, das personagens
 
 

Sobre "O Fotógrafo da Madeira"


PRAÇA DO BOCAGE

Um livro… uma sugestão

09Sexta-feiraNov 2012

 
É nas noites frias e chuvosas que, deitado, viajo pelo universo… com os meus livros.
Hoje fui conhecer a capital da Madeira – terra linda – com suas belezas naturais… e “feridas” profundas que causam mais dores que alegrias aos que lá vivem. Eu conto.
A vida – eu já o sabia – tem sido difícil para todos, em particular para os mais pobres, para os que vivem do seu trabalho. Ontem como hoje o desemprego, a emigração e o empobrecimento são verdades que não carecem de demonstração, porque são reais e visíveis – com pequenas oscilações intermitentes – e que não descolam deste nosso mal viver.
E é da vida das gentes do Funchal, no já longínquo início do século XIX, que o autor – António Breda Carvalho – centra a narrativa do seu último livro, O fotógrafo da Madeira, que pela qualidade da escrita e pelo retrato original e fidedigno da época – escrita que reconstrói o ambiente social, político e económico de então – merece a melhor atenção.
A vida dos mais desfavorecidos – por oposição à boa vida dos “fartos” –, a justiça – a que existe não satisfaz, porque injusta, a que se anseia… tarda –, o bem e o mal, a liberdade religiosa, as relações de poder instituídas e os seus interesses, os pequenos enredos, mesquinhos, os jogos e as ambições desmedidas, a insaciável busca de protagonismo dos mentecaptos, o sofrimento e a vida rude e dura da maioria, em desconformidade com o prazer e a luxúria de alguns, são realidades descritas com uma “transparência lúcida” e de forma inteligente.
E mesmo em tempos de escuridão, a vida também é feita de relações de amizade, de amores e paixões, com ou sem sexo, de heróis e vilões, de aparências, de intrigas e de jogos políticos que minam os valores e os verdadeiros interesses que urge prosseguir.
Esta é uma terra de contrastes onde a cor e a dor marcam o viver de cada dia.
Um livro a ler… sem qualquer dúvida.

Sobre O FOTÓGRAFO DA MADEIRA

António Canteiro, autor dos romances premiados Ao Redor dos Muros e Largo da Capella, ambos editados pela Gradiva, leu e comentou o meu romance.


O FOTÓGRAFO DA MADEIRA - António Breda Carvalho

(Romance) Oficina do Livro, 2012, 286 págs.

 
Como leitor atento, às vezes, um pouco minucioso, tenho para mim que um bom livro é sempre aquele que interroga o leitor, que questiona a sua sabedoria e que acrescenta valor em ensinamentos/aprendizagem; digamos que um bom livro é aquele que nos fica na memória por muito tempo, porque o sentimos e reescrevemos enquanto viajámos nele e com ele. O “Fotografo da Madeira”, de António Breda Carvalho (ABC), tem esse condão, conseguido através de uma narrativa fluente, salpicada de frases com grande conteúdo literário, mesclado de uma sintaxe rica e adaptada ao contexto temporal e espacial em que decorre a narrativa.  
A prova do que se acaba de referir está na imagem do livro acabado de ler: com a ponta do lápis foi riscado, sublinhado e anotado, deixando agora sim, pouco espaço em branco, com frases manuscritas nas margens e nas páginas finais (local predileto para anotações). No final da leitura/estudo/aprendizagem, por caminhos de prazeroso deleite literário deste “Fotógrafo”, o escrevedor destas linhas dirigiu-se à estante cá de casa, e fez uma análise de circunstância comparativa a outros livros do género outrora lidos em idênticas circunstâncias. Então, foi com algum espanto, que se constatou, que alguns romances históricos como o “Equador” ou “A Filha do Capitão”, não apresentam tantos sublinhados e riscos a lápis de leitor, o que induz menor qualidade literária, comparativamente com “O Fotógrafo da Madeira”. Mas direi mais, é que a dada altura me senti como que a reler os clássicos de Eça e de Camilo, embrenhado em ambientes e linguagens com afinidade à época oitocentista, idêntica àquela que se desenrola esta ação na Madeira.
Portanto, o primeiro lugar no pódio do Prémio Literário João Gaspar Simões encaixa que nem uma luva, é merecido o galardão literário, tendo como teve concorrência de monta, não só em qualidade como em quantidade. O autor de “O Fotógrafo da Madeira” surpreendeu, também, porque conseguiu vestir com riqueza (exterior e interior) as personagens, porque é dono de um singular espírito criativo, e, por vezes, uma trama surpreendente (na pág. 40), aquando da entrevista de Laura para ingressar no consulado, em que deixa o leitor suspenso sobre se fica ou não com o emprego, culminando num diálogo simples de aceitação, um diálogo de mestre.
Existe também um grande equilíbrio na narrativa, embora, quase no final da pág. 268 e seguintes, talvez pudesse evitar, de novo, aquelas explicações, pois já existiram antes, ou se não existiam, subentendiam-se, ficando mais rica a obra literária com essa construção interna do leitor.
Em suma, ABC apresenta um excelente domínio do diálogo, uma vivacidade na circulação das personagens no espaço (como se tivesse vivido lá, à época), com uma caraterização madura do tempo e dos cheiros, num romance quase sem mácula.
 
                                                                        António Canteiro

NO BUÇACO


                                                                               Convento de Santa Cruz (Buçaco - séc. XIX)


Vim ao Buçaco reavivar as minhas impressões doutros tempos, quando, sozinho e devorado por teorias romanescas, eu percorria estas alamedas, fincando o meu bordão de forasteiro na terra mole das últimas chuvadas de novembro.
(…)
Naquele Natal chuviscoso de 85, eu tinha vindo ao Buçaco, para casa do Gayo (que assim ficou chamada, desde que o terníssimo romancista do “Mário” viveu lá), sequestrar do convívio efémero dos amigos as grandes tristezas do meu coração ferido por inconfessáveis e recônditas amarguras. Para um camponês da minha índole, aquela véspera de Natal, desterrada de banquete de família, depois da missa do galo, na minha aldeia do Alentejo, ainda mais reverdecia a melindrosa doença moral que me desmantelava e confrangia; e eu via a noite cair das árvores, toucar de crepe os cocurutos do Calvário e Santo Antão, com o pavor dum sonâmbulo que sente os gatos-pingados pregarem-lhe por cima da cabeça a última aduela da tumba, e quer gritar e não consegue, e querendo mexer um braço sente o braço paralisado.
Nenhum aficionado da mata, naquele mês desabrigado, ousaria vir ali divagar pelas tebaidas derruídas, nem o próprio Silvestre Bernardo de Lima, que é na hierarquia dos fanáticos do Buçaco o deão daquela catedral soberba de verdura.
(…)
Padre Maurício, octogenário calado, que é há trinta anos prior do conventinho, mandou tocar à missa do galo, apenas meia-noite foi dada no lúgubre sino da Cartuxa.
A floresta naquele tempo quase que não tinha polícia.
Meia dúzia de soldados guardavam as portas durante o dia.
Três ou quatro couteiros passavam a vida nas alamedas, deitados ao sol pelas clareiras, sem a intendência inteligente dum chefe, no outono, trincando as avelãs que caíam das árvores, no inverno fazendo magustos de castanhas dentro das tocas das grandes carvalheiras. E à meia-noite eu saí de casa sem lanterna, embrulhado num varino, e com o meu bordão de romeiro na mão direita, de cujo pulso pendia o saquitel do livro de Horas. No mirante tomado da portaria, defronte no chalé onde agora fica o hotel, a vista descortina toda a Bairrada, num soberbíssimo Ieque de montanhas e campinas, e as dunas brancas da Figueira e Costa Nova; e sobre o pano desdobrado desse leque, aguarelas em pálido, num fundo anil mui caprichoso, trinta ou quarenta povoações esmaltam a monotonia da paisagem, formada na emurchecida luz das tardes hibernais.
O Buçaco é para assim dizer o botão terminal para cujo eixo convergem as varetas todas dessa maravilhosa ventarola a aguarela, e o foco acústico de quantos rumores se esgarcem por qualquer ponto daquela enseada formosíssima de vinhedos e couvais.
Meia-noite dada, os apelos de quarenta campanários de paróquias rústicas, chegaram, chamando à missa, ao mirantezinho quadrado da portaria, e por todas as quebradas do vale, luzes errantes, vagas como pirilampos, começaram a mover-se, em diversíssimos sentidos, deixando os casais caminho dos presbitérios, sob a neve diáfana de dezembro, como uma emigração de almas em busca da celeste bem-aventurança.
Com o meu bordão eu apontava e conferia o repique festival daqueles sinos, desde os lugarejos bisonhos de Botão e do Paço, até às paredes brancas de Grada, Anadia, Vila Nova e Vacariça: e em espírito recompunha as cenas emotivas dessa hora sagrada no catálogo das alegrias de família, em cada um daqueles casalitos enterrados na fuligem da noite, por cujas janelas brilhava aos mendigos das estradas o olho benéfico do candeeiro de três bicos, aceso ao centro da mesa ornamentada para a ceia do Natal.

Fialho de Almeida, In “Pasquinadas”, Jornal dum Vagabundo, Porto, 3 ed., s/d.