APANHA A FLOR!
É agora, Maria! Não hesites...
Esta é a tua oportunidade de apanhar a
flor. A flor que idealizaste para ti, que sempre trouxeste cingida ao coração,
que levemente tocaste algumas vezes, sem coragem de a apanhar, para fazeres
dessa posse o sentido da tua vida.
É agora, Maria! Não hesites...
Olha para trás e vê as pétalas secas e
murchas que viçosas caíram da flor. Eras tão nova, tão cheia de sonhos, tão
cheia de certezas para teres a flor segura nas tuas mãos e, no entanto, sempre
te resignaste a um destino que foste consentindo. Merecias melhor, Maria, tu
bem o sabes, mas só de ti te podes queixar, por teres trilhado um caminho que
não foi feito para os teus pés.
É agora, Maria! Não hesites...
Rasgaste projectos, queimaste ideias e
apagaste sonhos para dares vida a outro. Deste tanto de ti para receberes tão
pouco, e ainda ficaste em dívida porque tudo o que davas nada valia. Desististe
de ti para que outro pudesse ser... desinteressado de ti. Esvaziaste o teu ser
para que outro pudesse ser inteiro. Passaste fome de viver para seres alimento
da vida de outro que não te soube viver.
É agora, Maria! Não hesites...
Lembra-te daquela vez em que descobriste
que tudo na vida se conjurava contra ti. Com enganos tentavas iludir-te, com
ilusões tentavas enganar a vida, mas era esta e o outro que te enganavam com
flores de plástico. E mesmo assim tu ficaste à espera da hora que nesse momento
inventaste.
É agora, Maria! Não hesites...
Adiaste a tua flor para que os teus
filhos fossem flores. Durante longos anos fizeste da tua vida a vida deles para
que eles pudessem vir a colher a flor que te faltava. E ela estava tão perto,
mesmo ao alcance da mão; bastava um gesto, um corte... Mas permaneceste quieta,
na esperança da flor que tardava.
É agora, Maria! Não hesites...
E assim ficaste a olhar a flor! Olhavas
para ela e dela ficavas seduzida. Olhavas para ela e imaginavas tê-la na tua
mão, aberta às carícias dos teus dedos, aos beijos dos teus lábios, ao
aconchego do teu coração. Olhavas para ela e fazias da tua dor a glória dos
vencidos.
É agora, Maria! Não hesites...
Esquece os anos que te começam a pesar,
esquece os cabelos brancos que te começam a despontar, esquece as rugas que te
começam a desenhar. Olha para dentro de ti, procura a flor que escondeste de ti
própria, essa flor cuja beleza é sempre a mesma porque para ela o tempo não
existe. Sai de ti, olha a vida cá fora e descobrirás que a flor que te espera
pode muito bem ter todo o tempo do mundo que deixaste para trás.
É agora, Maria! Não hesites, apanha a
flor!
Ganha coragem! Abre a janela e solta a
dor que te sufoca, desce à rua e despe a roupa que te não pertence, grita bem
alto à multidão «SOU EU...» __ e segue
em frente, corre, corre, voa, voa, e verás que a vida é ainda uma flor a abrir.
É agora, Maria! Apanha a flor!
Jornal da Mealhada, 387,
02.01.2002
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