CRÓNICA 15


C O N T A C T O S



Sempre nutri uma grande admiração pelas pessoas que conseguem ler um jornal inteiro. Das gordas às magras letras, devorando o mais importante e o mais acessório. Há, confesso, duas situações em que esta proeza pode acontecer comigo: por preguiça de me dedicar a tarefas mais urgentes, ou tempo de ócio em que a leitura integral do jornal é simples pretexto para me sentir activo.

Foi assim que, num fim-de-semana pachorrento, cheguei à página dos contactos. Diz-se por aí que a vida é feita de encontros e desencontros. E encontros dos que o jornal oferecia, com estilos para todos os gostos, eu nunca experimentara. Até podia afirmar aqui o contrário, contar milhentos casos que fariam morrer de inveja o famoso Zé Canarinha, Rei dos Algarves. Mas a minha imaginação de literato não chega a tanto. Pus-me a imaginar, sim, qual o contacto que eu escolheria, se haveria ou não um convite convincente.

O primeiro anúncio dizia: «Jovem atraente, peito 42, escaldante. Só vendo.»

Comecei por desconfiar do atributo atraente. Esta era a opinião dela. Eu nunca a vi. Não sei se me sentiria atraído; talvez traído... Por outro lado, aquele peito 42 era, para mim, uma medida abstracta. Seria natural ou de silicone? Se dissesse, como nos anúncios de carros, com 42 mil Km reais, era muito mais esclarecedor, embora duvidoso. Quanto ao atributo escaldante, trouxe-me à ideia a necessidade de usar um protector; é que nem só o sol queima... Por último, «só vendo». Fiquei confuso. Queria dizer que a qualidade do produto só poderia ser apreciada ao vivo, com os olhos arregalados, ou que ela só o vendia, pondo de parte qualquer possibilidade de o dar ou emprestar? Eram dúvidas a mais...

Decidi passar ao segundo contacto: «Senhora, na casa dos 40, completa, com tudo no sítio, atende em privado.»

Aqui também fiquei baralhado. A senhora trabalhava na casa dos 40?. Era, admitamos, um preço demolidor para a caríssima casa dos 300, se estivesse a falar de escudos. Mas completa e com tudo no sítio, na casa dos 40, era coisa inédita para a minha reduzida experiência. Tinha, porém, uma virtude: atendia em privado. Atender em público seria vergonhoso. Mas há sempre alguém disposto a pagar para se exibir em público.

Li o terceiro contacto: «Menina sensual, pequena mas infatigável, convive 24 horas por dia.»

Esta já me agradava. Não pelo que oferecia, mas pelo seu espírito de sacrifício, dedicando a sua sensualidade ao próximo durante 24 horas por dia. São destes exemplos de altruísmo, de disponibilidade para conviver com a solidão dos outros, qual linha do Amor Amigo, a tempo inteiro, que a sociedade precisa. Contudo, 24 horas de companhia era uma agressão à minha paciência. Eu só me queria distrair um bocadinho.

O último anúncio proclamava: «Se és homem, mulher ou as duas coisas, eu sou quem tu precisas. Espero por ti.»

Eu respeito toda a gente, seja singular ou plural. Mas acontece que eu sei o que sou e do que preciso. E ir ter com quem não sei o que é, não faz o meu género.

Depois de todas estas propostas, é caso para dizer: mais vale estar só do que mal... contactado!





Jornal da Mealhada, 409, 05.06.2002

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