PRÉMIO CARLOS DE OLIVEIRA




António Breda de Carvalho recebe 5.º Prémio Literário Carlos de Oliveira
O Município de Cantanhede vai proceder à entrega do 5.º Prémio Literário Carlos de Oliveira na próxima sexta-feira, 1 de março, em cerimónia pública a realizar no salão nobre dos Paços do Concelho, às 21:00.
“A Odisseia do Espírito Santo”, da autoria de António Breda de Carvalho, é a obra vencedora da quinta edição do concurso promovido pela Câmara Municipal de Cantanhede para estimular a criação literária e, simultaneamente, homenagear um dos grandes vultos da literatura portuguesa do século XX.
No decurso da sessão, a apresentação editorial estará a cargo de António Ribeiro, autor de uma dissertação de mestrado que serviu de mote ao romance premiado, seguindo-se a atuação do Cantemus – Coro Juvenil do Município de Cantanhede, que interpretará alguns poemas de Carlos de Oliveira.
O valor do prémio literário dedicado ao autor de “Uma Abelha na Chuva” e “Finisterra. Paisagem e Povoamento” é, recorde-se, de 5.000 euros, verba totalmente suportada pelo Município de Cantanhede, que assegura também a edição da obra vencedora, o que entretanto já aconteceu com “A Odisseia do Espírito Santo”.
O livro explora factos históricos ocorridos na aldeia de Vilarinho (Mondim de Basto) em 1758 e 1759, período durante o qual foi criada uma heterodoxa congregação do Espírito Santo para auxiliar uma mulher possuída por um espírito.
O júri do concurso literário reconheceu-lhe “um original dispositivo narrativo que faz com que a história seja contada na primeira pessoa alternadamente por todas as personagens, pela capacidade de efabulação e pela riqueza da linguagem, que oscila entre a reconstituição do léxico do século XVIII e o dos nossos dias.”
O autor, António Manuel de Melo Breda Carvalho, professor, nasceu na Mealhada, em 1960, e tem obra literária editada, além de estudos regionais.


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António Breda Carvalho venceu quinta edição do Prémio Literário Carlos de Oliveira





A Odisseia do Espírito Santo, da autoria de Albano Farinha, pseudónimo de António Manuel de Melo Breda Carvalho, é o livro vencedor do V Prémio Literário Carlos de Oliveira, concurso promovido pelo Município de Cantanhede para celebrar a vida e obra de um dos mais importantes e aclamados escritores do neorrealismo português.








O júri fundamenta a sua decisão “no facto de A Odisseia do Espírito Santo possuir “um original dispositivo narrativo que faz com que a história seja contada na primeira pessoa alternadamente por todas as personagens, pela capacidade de efabulação e pela riqueza da linguagem, que oscila entre a reconstituição do léxico do século XVIII e o dos nossos dias”.



O livro explora factos históricos ocorridos na aldeia de Vilarinho (Mondim de Basto) em 1758 e 1759, período durante o qual foi criada uma heterodoxa congregação do Espírito Santo para auxiliar uma mulher possuída por um espírito.



O autor, António Manuel de Melo Breda Carvalho, nasceu na Mealhada, em 1960, e é professor do ensino básico no Agrupamento de Escolas da Mealhada, com vasta obra literária editada, além de estudos regionais. Iniciou a sua produção literária em 1990 inicialmente no género do conto, tendo-se dedicado posteriormente ao romance. As Portas do Céu é o seu romance de estreia, publicado em 2000, a que se seguiu a edição de outros vários livros, entre os quais alguns premiados em concursos literários, como As Portas do Céu, O Fotógrafo da Madeira, Os Azares de Valdemar Sorte Grande, Os Filhos de Salazar, O Crime de Serrazes e Morrer na Outra Margem.



A atribuição do Prémio Literário Carlos de Oliveira a “A Odisseia do Espírito Santo” foi decidida por um júri constituído pelo vice-presidente da Câmara Municipal, Pedro Cardoso, Osvaldo Silvestre, professor universitário, em representação de Paula de Oliveira, sobrinha do escritor, e por José António Gomes, em representação da Associação Portuguesa de Escritores, António Apolinário Lourenço, académico convidado pelo Município de Cantanhede.



Criado pelo Município de Cantanhede para estimular a criação literária e, simultaneamente, homenagear um dos grandes vultos da literatura portuguesa do século XX, o Prémio Literário Carlos de Oliveira, de periodicidade bienal, é aberto à participação de autores de qualquer dos países de língua oficial portuguesa, que podem concorrer com apenas uma obra, inédita e não editada, em prosa narrativa (conto ou romance). Com um valor de 5.000 euros, o prémio é integralmente suportado pela autarquia, que, nos termos do regulamento, assegura também a edição da obra vencedora.

A entrega do prémio ocorrerá numa sessão a realizar para o efeito em data a anunciar oportunamente.

Crónica 16


A CIGARRA E A FORMIGA

 

Julga o caro leitor que hoje venho aqui contar a clássica fábula da cigarra e a formiga? Não é esse o meu propósito. Reproduzir aqui, textualmente, as palavras que narram essa história de cunho moralizante é coisa que eu nunca faria.

Quero evitar a velha história mas dela não me livro como ponto de partida. E tudo por culpa do Verão. Do Verão das tardes quentes, dessas tardes que levam os passos ao encontro da natureza. Passeios pelos campos, pinhais e vinhedos, revisitando os sítios do passado que fazem parte de nós. Reconhecer os cheiros que a terra exala, dispersos no ar pela brisa da tarde. As narinas embriagam-se de sabores a terra sedenta, a palha, a caruma, a eucalipto, a malmequeres; de sabor refrescante, o cheiro líquido da água dos poços e dos ribeiros. Aos ouvidos chega uma sinfonia de sons orquestrados por grilos, passarada e cigarras.

Cigarras... Pois foi o canto deste bicho que fez suspender os meus passos durante um passeio campestre.

A memória, de repente, transportou-me ao tempo da escola primária. Vi-me a folhear o livro da quarta classe e a ler a fábula da cigarra e a formiga.

Despertei desta memória. Olhei para o chão à minha ilharga, fiz visão de raios X, mas carreiro de formigas laboriosas não havia. Paciência!

Voltando à fábula, todo o seu novelo se desfiou nos meus pensamentos, imaginando as sacrificadas e previdentes formigas no labor quotidiano de armazenar o sustento para o futuro próximo, ou seja, o Inverno. Saboreando as delícias do Verão, no remanso fresco duma árvore, exalta a cigarra hinos de alegria à vida, com um refrão que me parece ser assim: «A vida é bela! A vida é bela!». No solo, debaixo da árvore, formiga a formiga se movimenta o trabalho. E a cigarra repetindo, provocando a formiga: «A vida é bela! A vida é bela!».

A lição de moral, no fim, evidencia-se com o castigo aplicado à cigarra: mortinha de fome, no Inverno, sujeita-se a pedir esmola à poupada e trabalhadora formiga.

Hoje percebo que a história, seleccionada para figurar no livro oficial da instrução primária, tinha implicações político-ideológicas. O ensino do Estado Novo via na fábula um bom exemplo de pedagogia do trabalho e da poupança.

Assim quedo a ouvir o canto da cigarra, levou-me a memória uns anos mais à frente, ao tempo do liceu, já depois do 25 de Abril. E novamente a cigarra e a formiga me visitaram, num conto de Miguel Torga.

No conto deste autor a mensagem é subvertida. O canto da cigarra, expressão de preguiça na velha fábula, é agora sinónimo de criação artística. Poeta do canto, este ser vive a sua liberdade plena, criativa, sem estar sujeito aos valores normativos da sociedade. O sentido da sua vida é criar, liberto de um trabalho que escraviza e automatiza, de um modo de vida que garante o sustento material mas que priva a alma de sentir e fruir o que a vida tem de verdadeiramente belo.

Neste confronto, considerando as duas versões da história, uma questão, com respostas divergentes, se levanta: a de se saber onde está realmente a riqueza. Na cigarra ou na formiga?

Desperto destas cogitações, mantive-me mais uns minutos a escutar o canto da cigarra na oliveira. Era um canto agradável, de facto, que dava vida à tarde sonolenta. Mas, marcado por reflexões de índole intelectual, comecei a registar na pauta dos meus ouvidos os repetitivos acordes musicais da cigarra perto de mim. Era sempre o mesmo ritmo, a mesma musicalidade, a mesma letra, o mesmo refrão.

«A vida é bela! A vida é bela!»

A cigarra era, afinal, prisioneira de um canto único. Que monotonia!

Também a formiga vivia prisioneira de um único trabalho trilhado a negro no chão da vida. Que monotonia!

E dali me afastei, procurando outro caminho. Um caminho que não fosse cigarra nem formiga.

 

Jornal da Mealhada, 418, 04.09.2002