Entrevista

Entrevista publicada pelo Jornal i em outubro

 

Tem algum método de escrita?
Tento cumprir o tempo destinado à escrita, almejando alcançar o número de páginas previstas para cada sessão de trabalho. Escrevo linearmente, construindo o romance como quem edifica uma casa: dos alicerces para o telhado.
 
 
Faz algum esboço das personagens e da trama?
Cada romance é escrito a partir de uma grelha previamente elaborada. Tal como a planta de uma casa: cada divisão é um capítulo, cada capítulo é um conteúdo. É por aqui que me oriento. Parto da ideia, num capítulo, mas não sei que forma e matéria terá. É caso para dizer que a história se autodetermina.
 
 
Faz muitas pausas?
Faço as pausas a que estou obrigado por imperativos profissionais e familiares. Tento evitar interregnos extensos para não quebrar o ritmo de escrita. Por este motivo, não há lazer nos fins-de-semana.
 
 
Espera pela inspiração?
Não. Vou ao encontro da inspiração durante o processo de escrita. A criatividade não nasce nem cai do céu; é gerada por estímulos intelectuais. É preciso procurá-la. Mas só a encontra quem a tem.
 
 
Escreve a computador ou à mão?
Computador. O Word permite-me ter boa perceção da estrutura do texto.
E neste momento, estando obcecado comas correções, o Word tem a vantagem de poder saltar de um lado para o outro com facilidade.
 
 
Usa um tipo de letra específico?
Times New Roman, tamanho 12.
 
 
Tem manias, como acabar sempre uma página, por exemplo?
Gosto de acabar uma sessão de trabalho com a página completa. Mas prefiro fechar o Word depois de ter completado uma sequência narrativa, mesmo que isso implique uma página incompleta.
 
 
Pensa logo no título ou surge depois?
Primeiro penso na ideia geral do romance, e logo depois no título.
 
 
A primeira frase mantém-se ou muda?
Não me lembro de alguma vez ter mudado a primeira frase. Esta é já o resultado de um trabalho de seleção entre um vasto leque de possibilidades. Por ser a primeira, tem de ser uma frase perfeita em todos os sentidos. Pelo menos tento. As restantes sofrem, muitas vezes, tratos de polé.
 
 
Evita ler livros quando escreve?
Não. Invento tempo para ler, nem que seja em sítios inusitados. Nem sequer receio sofrer influências de outros autores. Nunca me desvio do registo de escrita selecionado para um romance.
 
 
Ouve música enquanto escreve, ou prefere o silêncio?
Consigo trabalhar com ruído à minha volta, em espaços privados e públicos, desde que ninguém interaja comigo. Prefiro bandas-sonoras (de filmes, por exemplo).
 
 
Qual é a sensação que fica quando termina um livro?
Se tiver a consciência de que escrevi um romance com qualidade, fico com a sensação de que a vida é bela. Este estado de graça dura menos de um mês; depois a vida, sem romance, deixa de ter sentido, e a fome de escrita começa a apertar. Tornou-se um vício depois de ter ganho o Prémio Literário João Gaspar Simões.
 
 
Trabalha em mais de um livro ao mesmo tempo?
Não alinho neste tipo de promiscuidade literária.
 
 
Escreve em casa?
Prefiro o aconchego do lar. Mas sou bioadaptável.
 
 
O que não pode faltar na sua mesa de trabalho?
Dicionário de Português e internet.
 
 
Em que está a trabalhar neste momento?
Estou a cinco capítulos do fim do meu último romance. Como sou disciplinado, sei que estará pronto no dia 31 de Dezembro próximo. O título? É segredo. Mas posso adiantar que é diferente de “O Fotógrafo da Madeira”. Em tudo.
 
 
Já deitou fora muita coisa que tenha escrito?
Nunca me aconteceu. Guardo tudo: o bom e o medíocre. Não tenho trabalhos incompletos, vitimados pela crise da folha em branco. Levo as empreitadas até ao fim. Só desisto rendido à falta de qualidade.
 
 
Como dá o nome às suas personagens?
Procuro nomes que tenham a mesma força, ou fraqueza, das personagens
 
 

Sobre "O Fotógrafo da Madeira"


PRAÇA DO BOCAGE

Um livro… uma sugestão

09Sexta-feiraNov 2012

 
É nas noites frias e chuvosas que, deitado, viajo pelo universo… com os meus livros.
Hoje fui conhecer a capital da Madeira – terra linda – com suas belezas naturais… e “feridas” profundas que causam mais dores que alegrias aos que lá vivem. Eu conto.
A vida – eu já o sabia – tem sido difícil para todos, em particular para os mais pobres, para os que vivem do seu trabalho. Ontem como hoje o desemprego, a emigração e o empobrecimento são verdades que não carecem de demonstração, porque são reais e visíveis – com pequenas oscilações intermitentes – e que não descolam deste nosso mal viver.
E é da vida das gentes do Funchal, no já longínquo início do século XIX, que o autor – António Breda Carvalho – centra a narrativa do seu último livro, O fotógrafo da Madeira, que pela qualidade da escrita e pelo retrato original e fidedigno da época – escrita que reconstrói o ambiente social, político e económico de então – merece a melhor atenção.
A vida dos mais desfavorecidos – por oposição à boa vida dos “fartos” –, a justiça – a que existe não satisfaz, porque injusta, a que se anseia… tarda –, o bem e o mal, a liberdade religiosa, as relações de poder instituídas e os seus interesses, os pequenos enredos, mesquinhos, os jogos e as ambições desmedidas, a insaciável busca de protagonismo dos mentecaptos, o sofrimento e a vida rude e dura da maioria, em desconformidade com o prazer e a luxúria de alguns, são realidades descritas com uma “transparência lúcida” e de forma inteligente.
E mesmo em tempos de escuridão, a vida também é feita de relações de amizade, de amores e paixões, com ou sem sexo, de heróis e vilões, de aparências, de intrigas e de jogos políticos que minam os valores e os verdadeiros interesses que urge prosseguir.
Esta é uma terra de contrastes onde a cor e a dor marcam o viver de cada dia.
Um livro a ler… sem qualquer dúvida.