PUBLICAÇÃO DO PREFÁCIO DO MEU NOVO ROMANCE
«A vida das comunidades
é feita de muitas vidas e é do conjunto das suas narrativas que se faz, também,
a história coletiva. Valdemar Sorte Grande nasceu em 1874 na, ainda vila, Figueira
da Foz, e conta-nos a sua desdita em 1915, altura em que já decorria a I Guerra
Mundial e passava um ano da catástrofe que destruiu o Teatro Príncipe.
A vida do herói deste
belo romance é tão recheada como a da cidade que o viu nascer; são tempos de
grandes novidades e transformações. A Figueira deveria ter, na altura, pouco
mais de quatro mil habitantes, mas prosperara pela iniciativa de uma burguesia
comercial alicerçada no caminho-de-ferro e no porto.
Valdemar, como a
Figueira, foi fintando a má sorte, umas vezes com sucesso, outras não, mas
fez-se homem e gente. Dormiu na praia, remendou redes, deambulou pelas ruas do
Bairro Novo e pelas entradas festivas dos casinos, enamorou-se da beleza das
espanholas, rezou na capelinha de Stª Catarina, correu atrás do Americano, viu cinema no Parque-Cine,
assistiu à construção do mercado e, ambicioso, sonhou um dia ter “pés, cu, cabeça, ouvidos e língua para
frequentar lugares seletos”.
Fez-se republicano, cantou
A Portuguesa nas reuniões da
Marcenaria Olimpo e conheceu o desgosto da morte do pai, pescador, náufrago à
entrada da barra depois de uma jornada de pesca. Assistiu à fundação do Ginásio
e quis ser atleta. A sorte bafejou-o e enriqueceu-o. Foi armador, amou,
desamou, enganou e foi enganado.
Mais do que um
figueirense, Valdemar é um homem de um certo Portugal, num período que vai do
fim da Regeneração à I República. Pobre e rude como o país, usa a sua esperteza
de “comediante” para sobreviver aos maus momentos. Como um pícaro tardio, mas
dentro do prazo, Valdemar faz-nos rir e ao mesmo tempo enternece-nos; pelo que
sonhou e pelo que viveu.
Com Valdemar Sorte
Grande acabamos por assistir, também, à história da cidade e do país, num
retrato original e cínico; mesmo sem a sua sorte, em muito dele nos podemos
rever.»
António Tavares*
*Vereador do Pelouro da Cultura da
Câmara da Figueira da Foz e escritor
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