OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE
Prémio literário João Gaspar Simões – Menção de Honra
(Romance) Chiado Editora - 255
págs.
António Breda Carvalho (ABC) brindou-nos recentemente com mais um
espantoso romance, OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE - Prémio literário João Gaspar
Simões – Menção de Honra - Chiado Editora (2014). Este livro centra a sua acção na cidade da
Figueira da Foz, e surge na linha do anteriormente
publicado pela Oficina do Livro (2012), “O
Fotógrafo da Madeira” – Prémio literário com o mesmo patrono, dois anos
antes -, e que situava o enredo e as
personagens na cidade do Funchal. Ambos os livros têm idêntico tempo histórico
(meados do séc. XIX, o primeiro, e dobrar do século, o segundo) e pano de fundo
assente em questões políticas e sociológicas similares. ABC apresenta neste,
tal como no livro anteriormente premiado, um domínio maduro da Língua
Portuguesa e um à-vontade extraordinário nos diálogos, especialmente, naqueles
que se ligam ao jogo, à boémia noturna e aos casinos.
Um romance escrito na primeira pessoa, muito envolvente e irónico, com o
protagonista a relatar, desde o início até ao fim, as peripécias por que
passou. O momento em que Eduardo Matias (o patrão, marceneiro) coloca a manápula no ombro, o ombro de Valdemar,
inicia uma vida de maturidade, de aprendizagem, que elucida também o leitor nas
questões da História de Portugal, (Monarquia e República), culminado o enredo
deste romance na crise da 1ª Grande Guerra Mundial.
Aquela bengala dançando na minha mão e a
cigarrilha consumindo-se de prazer ao canto da boca é um raro momento de literatura, bem como, na
pág. 54, quando soprou a poeira da peça
que segurava e falou com voz tremida, enfim, como nas noites de amor que
nunca conta em pormenor a Judas, o ouvinte (narratário) desta estória. O mesmo Judas
que nos surpreende no fim, o Judas que negou Cristo por três vezes, tal como a
sua amante Argentina o negou cedendo a seu pai (ao valor da herança), ao marido
(indo viver com ele para Lisboa), e finalmente ao seu filho, ainda bebé: Mamã, quem é aquele homem sem uma mão; aquele maneta é um homem que já foi rico e
agora não tem cheta. A começar nos apelidos do próprio protagonista, Sorte Grande, quase todos os nomes das
personagens tem associada alguma simbologia: Argentina, a amante (mulher de
dinheiro, l’argent); o pai (de baixa
estatura física) era Rodolfo Marques Grande;
a mãe era apelidada Roda da Sorte; a
irmã, a mais nova do clã Sorte Grande, era a Delfina, etc..
Mas há ainda outra simbologia, associada a grandes escritores e livros que
o protagonista lê em pontos-chave da evolução (ou queda) da sua vida: Os Simples, de Guerra Junqueiro; A Queda de Um Anjo, de Camilo; e nomeia,
ainda, Eça de Queirós e outros grandes escritores da época.
Como o próprio ABC refere: trata-se
de um livro simples, escrito de rajada, mas não se trata de um livro inocente,
pois a complexidade desta narrativa surge das releituras que podemos vislumbrar
a cada passo, e em especial no FIM, como se de três socos no estômago se
tratasse, num baque quase em simultâneo: (1) o desvendar do personagem Judas,
(2) o revelar-nos o filho de cabelo ruivo
de Valdemar, já com 4 anos de idade, com as características físicas do pai
(ruivo); (3) o apresentar-nos o homem que já foi rico, Valdemar, que foi
proprietário de uma grande empresa (na pesca do bacalhau) e agora pede esmola
com o cão nas ruas da Figueira da Foz.
Nesta obra admirável, sorvedora do nosso tempo como sanguessuga, poderia
começar no fim, o fim como início, prólogo, epílogo, ou vice-versa, como
pescadinha de rabo na boca, que gira e se consome a si própria,
incessantemente. Apenas lhe encontro um se não, e já perto deste fim: repetidas cacofonias, na pág. 249: uma mão, sete vezes repetida, ainda que
para dar ênfase ao maravilhoso texto em que se insere, pecará por excesso.
Por último, é pena que grandes editoras do mercado não agarrem pérolas de
escrita como esta, OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE merecia maior
distribuição/divulgação, em suma, e, por analogia, este romance devia chegar a
todo o mundo, ser lido por muita gente.
ANTÓNIO CANTEIRO
Barracão – 2014.08.30
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