Tive
o privilégio de ler esta novela ainda impressa em A4, e agora, numa segunda
leitura, decorridos dois anos, o gosto foi superior, como se outro néctar os
meus olhos tivessem decantado, ou talvez a minha sensibilidade literária esteja
menos rude e, portanto, mais recetiva a textos cuja matriz é essencialmente
poética, onde se inscreve a assinatura autoral de António Canteiro, com obra
premiada que tem sido publicada pela Gradiva.
Logo à Tarde Vai Estar Frio inspira-se na vida e obra de António
Nobre, com a ação da segunda das três partes que estruturam o texto centrada no
enredo amoroso entre dois jovens académicos, um século após o autor de Só, cuja temática do sofrimento e do
desencanto, à luz da doença que constitui um dos grandes estigmas da atualidade,
se articula com o espectro social que, no tempo de Nobre, se impunha com a
mesma implacabilidade: a tuberculose.
O tom
da narrativa é, à semelhança do poeta que habitou a Torre de Anto, melancólico
e imbuído de algum subjetivismo, conferindo, deste modo, autenticidade ao
discurso enquanto recriação da alma poética do autor homenageado, firmando
António Canteiro, todavia, a sua voz inconfundível, singular e pessoal, de obra
para obra mais consistente e mais amadurecida, já ao nível de autores sobejamente
badalados.
Logo à Tarde Vai Estar Frio foge ao paradigma convencional
relativamente ao desenvolvimento da diegese, que nesta novela ocorre em segundo
plano, parecendo uma história sem história, colando-se aos olhos do leitor uma
vasta coleção de quadros descritivos, onde reina a contemplação e estados de
espírito, podendo as telas pictóricas e sentimentais funcionarem como peças
autónomas, poemas que se leem melodicamente e cuja musicalidade perdura no
ouvido, como é o caso do exemplo que aqui transcrevo, para terminar, o qual, na
minha opinião, tem ecos de Eugénio de Andrade.
«Deixa-me
voltar ao teu ventre, mãe!, viver cada minuto dentro do teu corpo molhado,
mãe!, sabes do mar, e dos corais, e das estrelas do mar, e dos búzios, e da luz
da lua, mãe!; recordo que disseste, um dia: vou, ali adiante, à Cova, António,
e volto já, e, até hoje, não voltaste! porquê, mãe?, ainda queres que eu volte
ao teu ventre!, agora e na hora da nossa morte? Ámãen!...»
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