N O I N T E R V
A L O D A P U B L I C I D A D E
Ainda me recordo do tempo em que a
televisão fez a sua estreia na minha aldeia. Era eu um miúdo com muitos sonhos
cor-de-rosa. Essa caixinha mágica, embora a preto e branco, veio dar outro
colorido à minha vida e à das gentes da minha aldeia.
Apareceu sorrateiramente, sem
publicidade a anunciar a sua chegada. Entrou, pela primeira vez, em casa de um
vizinho e nunca mais de lá saiu. Parece que ali se sentia à-vontade para falar
e mostrar ao País o mundo que ela era. Foi uma grande novidade e admiração!
Como era possível uma coisa daquelas ter tantas coisas lá dentro? Um dia
(confesso), ainda me atrevi a espreitar pelos orifícios das suas costas. Nem
digo o que vi...
Durante um mês não houve outro
falatório. As más-línguas até chegaram a correr o risco de enferrujar. Para bem
do povo e da nação acordaram a tempo; mas isto é outra história que nada tem a
ver com as que a televisão tem para nos oferecer.
Desse tempo, lembro-me sobretudo das
tardes de domingo. Foi o dia da semana que, repentinamente, ganhou um
passatempo diferente. Adeus brincadeiras de ontem: jogar à bola, ao botão, à
carica... Depois do almoço, a cachopada ia para casa do vizinho, onde se
sentava em bancos compridos dispostos na garagem. A troco de dez tostões (não
era brincadeira) tinha-se uma tarde cheia de televisão.
As imagens que permanecem na minha
memória, desses primeiros tempos em que a televisão chegou à aldeia, pertencem
a alguns programas que fizeram história. O mais aborrecido era o TV Rural, do
Eng. Sousa Veloso. Contudo, não despregava os olhos do ecrã e, se não tivesse
sido o destino, creio que hoje estaria a apresentar a 2ª série do TV Rural. O
filme que via com mais entusiasmo, depois dos desenhos animados (conhecidos por
"bonecos"), era O Santo, corporizado por Roger Moore. E quando o
intervalo se lembrava de aparecer, num grande momento de expectativa criado
pela acção do filme, nem arredava pé da cadeira, com receio de a curta
sequência publicitária não me dar tempo de ir fazer um chichi.
Actualmente já não tenho este problema.
Basta-me escolher um canal das televisões portuguesas para poder encher os
olhos e os ouvidos com longas e adormecidas sessões de publicidade. É claro que
aproveito este tempo para fazer coisas mais úteis. E, quando quero ver um bom
filme ou um bom programa, regresso à televisão no intervalo da publicidade.
Jornal da Mealhada, 347,
21.02.2001 (sem atualização ortográfica)
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