As agruras de vida no século XIX na Madeira
João Abel de Freitas, Economista
O Fotógrafo
da Madeira de António Breda Carvalho é um grande livro, uma análise ampla e
carregada de vida social, económica, política e religiosa do século XIX, com
resquícios bem presentes ainda hoje, de que relevo sobretudo a intolerância.
Não pretendo
ser um crítico literário, porque não sei. Mal distingo os géneros literários.
Então o que
deixo aqui neste pequeno texto são impressões que colhi ao olhar para este
livro e não análises de natureza estrutural ou comparativa, próprias do
crítico.
O Fotógrafo
da Madeira é um romance, assim o classifica o autor, “feito de ficção e de
História” e acentua: “a ficção, pela sua própria natureza, dispensa qualquer
aviso ao leitor. A História, por sua vez, entranha-se na ficção. Pertence à
História o tempo, o espaço, alguns factos e algumas personagens. É aqui que
entra o aviso ao leitor: não confundir personagens de papel com personagens
reais.”
Apesar do
aviso ao leitor para não confundir as personagens de papel com as reais, a
História a sério da Madeira do século XIX, nos seus múltiplos desenvolvimentos,
perpassa todo o romance e está bem entranhada no seu enredo, bem atractivo.
Uma História
contada de forma aliciante que nos entusiasma. Bem mais rica e abrangente do
que em qualquer compêndio. As personagens que a fazem desempenham papéis
múltiplos na vida do dia-a-dia.
Assim se
passa com a personagem mais em foco no romance, Afonso Elias Ayres Drumond, o
madeirense estrangeirado, saído da Madeira aos 12 anos para estudar em França,
por vontade de seus pais que não pactuavam com a intolerância reinante no
ambiente madeirense: “não o quero ajoelhado à política desta ilha”, dizia o seu
pai no diálogo com a mãe quando discutiram a ida do filho para fora da Ilha,
reagindo assim ao ambiente antiliberal vigente e acerrimamente hostil às ideias
que professavam. Eram marginalizados, só não o eram mais, por serem um casal de
posses. Tinham a Quinta da Colina, de grande sucesso nos negócios do vinho
Madeira.
Este
madeirense, depois de uma vivência parisiense, permissiva e tolerante e com já
algum nome na advocacia local, regressa aos vinte e poucos anos para gerir a
Quinta da Colina. Regressa como cônsul francês para a Madeira, e com hobbies
pouco habituais para a Ilha. É amante da fotografia (algo de novo na Madeira) e
da pintura.
Depois de
montar o consulado nele admitindo como sua secretária, a Laura, filha do
encarregado da Quinta da Colina, o que choca a sociedade local (mulher num
emprego de homem, mulher no emprego a sós com um homem), logo aqui não escapa a
aleivosias num jornal do Funchal, o que leva Laura a abandonar o cargo por
vontade própria. Mas Laura não fora admitida por favor. Tinha competência para
o desempenho das funções. Tratava-se da filha do encarregado mas bem preparada.
Tinha sido educada pela mãe de Afonso, deduz-se educada como se fosse sua
filha. Expressou nela a ausência do filho.
Afonso Elias
era uma pessoa dinâmica. Ao sair Laura do seu alcance e por não a querer
perder, constitui a primeira casa de bordados virada para os mercados externos
e entrega-lhe a gestão deste investimento inovador.
Mas Afonso
Elias não fica quieto. Desenvolve outras iniciativas de carácter social e de promoção
da Ilha. Entre elas a iniciativa dos postais sobre as belezas e actividades da
Madeira, a partir da sua arte fotográfica de onde retira dividendos,
aplicando-os nas iniciativas sociais.
Esta
dinâmica desagrada às forças vivas da Terra. São ideias revolucionárias como
insinuam. São influências de França, despropositadas no meio madeirense. Aliás,
o cônsul pelo passado de seus pais é, desde o início, uma pessoa non grata,
apenas tolerada.
É
interessante como o livro se vai desenrolando. Para além de diversos
ingredientes fortes do romance que envolvem a comunidade inglesa e o seu
fechamento, o romance vai tocando todos os pontos importantes da sociedade
madeirense.
É a economia
onde o vinho e os bordados são tratados por contraste ao que predomina. Chegam
elementos inovadores de mercado e produção. São as relações sociais de produção
sobretudo no campo onde se contrasta a grande questão da colonia com as
relações vigentes na Quinta da Colina, onde os pais do cônsul tinham dando um
passo em frente com o estabelecimento das relações capitalistas - trabalhadores
assalariados com vencimento fixo. É a emigração sobretudo para Demerara, a nova
escravatura branca com os engajadores a ganharem fortunas. É o turismo onde os
hotéis da cidade começam a surgir e onde se vinca a vontade de investimento no
sector.
As forças
vivas, “os políticos”, governador, presidente de câmara, bispo, apontam-lhe
essas ideias de revolução, aliás insinuando que “quem sai aos seus não
degenera”.
Mas o grande
problema surge com a igreja, ou melhor com o entendimento (igreja-políticos) na
perseguição a Robert Kalley, radicado na Madeira há alguns anos e defensor do
calvanismo. É o cúmulo da intolerância e da malvadez.
Afonso Elias,
que não praticava nenhuma religião, era tolerante com os seguidores de Kalley,
até porque os pais de Laura e a própria Laura eram praticantes.
Havia arruaceiros comandados por um tal Cónego Teles de Menezes que “com o apoio tácito do governador” faziam batidas “a lugares reconhecidos como covil de protestantes” e os que não conseguiam fugir “eram espancados e apedrejados”.
Havia arruaceiros comandados por um tal Cónego Teles de Menezes que “com o apoio tácito do governador” faziam batidas “a lugares reconhecidos como covil de protestantes” e os que não conseguiam fugir “eram espancados e apedrejados”.
Estes
arruaceiros até cercaram a casa de uma súbdita inglesa não anglicana adepta de
Kalley numa tarde em que um grupo, na maioria mulheres, estava reunido em
oração. A súbdita apresentou queixa ao cônsul inglês que para não desagradar ao
governador e à igreja madeirense nada fez.
A provocação
desenvolve-se em crescendo até que chega o dia de São Bartolomeu madeirense,
onde todas as arruaças foram cometidas, designadamente a invasão do Funchal com
o ataque e uma grande mortandade de pessoas.
Muita gente
conseguiu fugir da Madeira entre eles o pastor Kalley e Laura.
Afonso Elias
não assistiu a esta tragédia pois tinha sido chamado a Lisboa pelo governo.
Foi este o livro que li, nas minhas mini-férias em Föhr, o tal romance sobre uma ilha, da autoria de António Breda Carvalho, lido numa ilha. Como o título indica, fala-nos de um fotógrafo, mas numa altura em que um fotógrafo constituía novidade e em que uma fotografia demorava cerca de quinze minutos a ser tirada com um calótipo.
Em meados do século XIX, Afonso Elias Ayres de Drumond, um advogado de Paris apaixonado por fotografia, regressa à sua Madeira natal, depois de vinte anos de ausência, a fim de tomar conta da quinta da família e de exercer funções como cônsul de França.Vai-se apercebendo das dificuldades dos madeirenses, da sua pobreza e de como os recursos da ilha estão mal aproveitados.
Como cônsul, trava conhecimento com os membros do governo regional e a elite da ilha e tenciona aproveitar a sua posição para tentar mudanças, até porque a população local emigra em massa, o que suscita uma interessante observação do autor: «os madeirenses esvaziavam a ilha fugindo da miséria e os turistas enchiam-na em busca de divertimento e saúde».
O seu intrometimento nos assuntos locais é, porém, muito mal recebido. António Breda Carvalho explora muito bem a mesquinhês, a ignorância e o fundamentalismo de autoridades acomodadas nas suas poltronas, tudo se passando debaixo da capa de cenário paradisíaco. Afonso Elias chega a afirmar: «Esta ilha é exteriormente bela e sorridente, mas moralmente desolada e fria».
A situação atinge contornos absurdos com uma total intolerância religiosa em relação a um pastor presbiteriano escocês, Robert Reid Kalley. As numerosas adesões à Igreja Presbitariana desestabilizam séculos de hegemonia católica e gere-se um clima de autêntica guerra civil, que culmina em muitas mortes e na expulsão de quase dois milhares de madeirenses.
Foi, para mim, muito interessante ler sobre este momento da história da Madeira, que desconhecia completamente. O livro lê-se bem, a escrita de António Breda Carvalho é fluida e clara, com uma certa atmosfera queirosiana aqui e ali. E, apesar de a ação se passar no século XIX, o tema é atual, basta pensar nas características dos nossos políticos e na emigração em massa que se verifica no nosso país.
Nota: este romance, publicado pela Oficina do Livro em 2012, foi o vencedor do Prémio Literário João Gaspar Simões, em 2010.
Cristina Torrão, in Andanças Medievais
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«(…) Ora é precisamente a este propósito de morgados e morgadios que não pretendo deixar passar em claro o livro que dá título à minha croniqueta de hoje. O volume descansada há algum tempo na mesa simples das leituras não feitas e foi precisamente esta semana que chegou a sua vez. (…) trata-se dum livro dum escritor mealhadense, António Breda Carvalho, uma raridade portanto no nosso panorama literário, daí a razão de o registar nestas despretensiosas crónicas, ditas locais.
Li e gostei e como em minha opinião é uma obra que dignifica o município através do autor, não quero deixar de o sublinhar. Trata-se de um livro sério e honrado, bem escrito, bem urdido, bem estruturado, e que destoa para muito melhor de boa parte da produção que anda por aí ajudada por dinheiros públicos e empurrada por organismos nacionais que lhes dão base e amplitude.
Não sei que apoios teve esta obra premiada, se é que os teve, perdão pela minha ignorância, mas em termos locais não me lembro de ter visto uma referência, um aplauso, uma distinção do poder instituído, naturalmente muito mais interessado em carnavais, futebóis, maravilhas ou fundações, fenómenos que lhe dão presumidamente mais votos que um simples livro de duzentas e muitas páginas que, embora muito bem escrito e bem contado, não dá votos a ninguém, apesar de inscrever o concelho da Mealhada num concerto maior dos nossos criadores atuais. Além de retratar, e vem daí a sua actualidade, esse mundo de compadres e morgadios que fazem de Portugal e da Madeira aquilo que o português continua a ser nos nossos dias. Nem o “milagre” da Europa conseguiu atenuar os prodígios dessa escravatura física e mental.
Em minha opinião, fica mal não ler o livro de um mealhadense, claro! Deixo o recado com parabéns ao autor, que bem os merece por este Fotógrafo da Madeira.»
Luso, Abril, 2013
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Domingo, 9 de Dezembro de 2012
Ao Domingo com... António Breda Carvalho
O único livro que havia em casa
dos meus pais era uma tia muito velhota que nos fazia companhia todas as noites.
Ela sentava-me no seu regaço, e eu, menino de cinco anos, ouvia as histórias
maravilhosas que nunca me cansavam, apesar de serem sempre as
mesmas.
Creio que vem do fundo desse tempo a génese da minha relação com a literatura. Mais tarde, príncipe do império do alfabeto, troquei a tia pelos livros. E com eles fui crescendo, visitante assíduo da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. E um dia descobri que da minha imaginação brotavam ideias que eu era capaz de transformar em histórias escritas.
Nos caminhos da vida me fui achando e perdendo. Eu era aquele que adorava ter um livro para ler e não o fazer, sem querer imitar Fernando Pessoa. Adorava imaginar histórias, escrevê-las na cabeça e não perder tempo a passá-las para o papel. Como um amante infiel, abandonava os livros e a escrita, e refugiava-me em outras aventuras. Depois acabava por regressar à literatura, e com ela tinha uma relação amorosa intensa. Era muito feliz… até me cansar.
Em tempo de reconciliação com a literatura, quando me vinha a vontade de lançar ao papel a semente da escrita, os prémios literários nasciam tão naturalmente como os frutos da árvore. Eu semeava um conto e nascia um prémio. Contudo, olhando de frente a vida, eu não via um pomar, mas um piano, cujas teclas eram passatempos que seduziam os meus dedos. E nelas me perdia: dó-ré-mi… E por elas fui perdendo a literatura, insensível aos apelos que me fazia em horas de introspeção. E querendo ser uma coisa, perdia-me em outras coisas.
Há dois anos, saturado de tantos caminhos poeirentos e sem destino, reencontrei-me com a literatura. Abracei-a e nunca mais a larguei. Hoje é a minha amante eterna. Para esta viragem de 180 graus, foi decisivo o Prémio Literário João Gaspar Simões, que alcancei em 2010 com o romance O Fotógrafo da Madeira. Cada conto e cada romance são atos de amor que me saciam. Eu já não consigo viver sem esta cumplicidade. Eu estou dependente da literatura como um fumador viciado na nicotina. Faltando-me a escrita e a leitura, a ressaca destrói-me. Escrever é um labor que exige paciência e perseverança, mas que me realiza completamente, porque quando escrevo aconteço. Construir mundos faz-me sentir um deus que não quer descansar ao sétimo dia. Finalmente, tornei-me fiel na minha relação com a literatura. Finalmente, posso afirmar: «Ai que prazer ter um livro para ler! Ai que prazer ter um romance para escrever!»
Eu não busco fama nem glória. Eu apenas quero escrever. Eu apenas quero ser eu. Alguém que escreve contos e romances como uma árvore dá frutos. E assim cumpro a minha condição humana.
Creio que vem do fundo desse tempo a génese da minha relação com a literatura. Mais tarde, príncipe do império do alfabeto, troquei a tia pelos livros. E com eles fui crescendo, visitante assíduo da Biblioteca Itinerante da Gulbenkian. E um dia descobri que da minha imaginação brotavam ideias que eu era capaz de transformar em histórias escritas.
Nos caminhos da vida me fui achando e perdendo. Eu era aquele que adorava ter um livro para ler e não o fazer, sem querer imitar Fernando Pessoa. Adorava imaginar histórias, escrevê-las na cabeça e não perder tempo a passá-las para o papel. Como um amante infiel, abandonava os livros e a escrita, e refugiava-me em outras aventuras. Depois acabava por regressar à literatura, e com ela tinha uma relação amorosa intensa. Era muito feliz… até me cansar.
Em tempo de reconciliação com a literatura, quando me vinha a vontade de lançar ao papel a semente da escrita, os prémios literários nasciam tão naturalmente como os frutos da árvore. Eu semeava um conto e nascia um prémio. Contudo, olhando de frente a vida, eu não via um pomar, mas um piano, cujas teclas eram passatempos que seduziam os meus dedos. E nelas me perdia: dó-ré-mi… E por elas fui perdendo a literatura, insensível aos apelos que me fazia em horas de introspeção. E querendo ser uma coisa, perdia-me em outras coisas.
Há dois anos, saturado de tantos caminhos poeirentos e sem destino, reencontrei-me com a literatura. Abracei-a e nunca mais a larguei. Hoje é a minha amante eterna. Para esta viragem de 180 graus, foi decisivo o Prémio Literário João Gaspar Simões, que alcancei em 2010 com o romance O Fotógrafo da Madeira. Cada conto e cada romance são atos de amor que me saciam. Eu já não consigo viver sem esta cumplicidade. Eu estou dependente da literatura como um fumador viciado na nicotina. Faltando-me a escrita e a leitura, a ressaca destrói-me. Escrever é um labor que exige paciência e perseverança, mas que me realiza completamente, porque quando escrevo aconteço. Construir mundos faz-me sentir um deus que não quer descansar ao sétimo dia. Finalmente, tornei-me fiel na minha relação com a literatura. Finalmente, posso afirmar: «Ai que prazer ter um livro para ler! Ai que prazer ter um romance para escrever!»
Eu não busco fama nem glória. Eu apenas quero escrever. Eu apenas quero ser eu. Alguém que escreve contos e romances como uma árvore dá frutos. E assim cumpro a minha condição humana.
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TEXTO (ADAPTADO) DE APRESENTAÇÃO DO ROMANCE,
NO DIA 22 DE NOVEMBRO, NA ESCOLA BÁSICA Nº 2 DA MEALHADA
Mas quem é este
autor? Já o conhecem.
Foi ele, António
Breda Carvalho, que me deu a honra de criar estas vagas textuais de
apresentação do seu romance, que não é o primeiro em sua lavra.
É costume, nas suas
obras, dar a cara, a um certo nível revelar-se, de uma certa forma expor visões
de mundos, ideias, até de conceção literária. Das obras que já li do autor, de
pequenos a mais espraiados textos, ABC sempre mostrou propensão para as viagens
no tempo, interrogações diversas ou de figuras individuais ou de formas
colectivas, poisados em lugares sociais, políticos, regionais, intelectuais,
religiosos, familiares e outros, enfim, de um Portugal cheio e particular.
Eis mais uma
contenda, de pesquisa histórica, de investigação minuciosa, de pessoas, lugares,
nomes, datas, transportes, casas, mares e naufrágios, barcos e terras, flores e
cheiros, jornais e notícias, luzes e escuridão, cheias e mortes, sons e imagens
da ilha e da não ilha.
A sua imaginação
ficcional não teve parança, e complementou, desanuviando, a necessária apologia
da verdade histórica, que por vezes condiciona e constrange os autores.
Na ausência de
censura própria, na libertina entrega aos afazeres de escrita doméstica, na
escrita de O Fotógrafo da Madeira, o
autor é volante num vai e vem de vagas insulares entre factos e devaneios.
Estamos na história e vivemos um romance, contado com afetos e reflexões por um
narrador, onde personagens se apresentam com toda a dimensão humana, própria do
século das transformações, o século XIX. Há sensualidade, há sabores, há
sentidos, uns mais consentidos do que outros, tudo em evocação descritiva,
senão a pormenor, quase à míngua.
“O Fotógrafo”
apareceu, assim, na mesa-de-cabeceira, de forma clássica. Letra miúda, em maço
de folhas, um volume e tanto, espesso. Já premiado. Caminhou nas primeiras
lidas pelas vagas do Realismo. Em algum levantamento de mar o vapor da minha
leitura era salpicado por um romantismo salgado. Por ali entrei de golfes. Naveguei
submerso num faz de conta, num passado que se tornou presente, numa realidade
ficcionada, onde mínimos abusos históricos serviram como sinais de recobro de
atenção, - olha que isto é um romance…!
- e aí me tornei atlântico, também habitante de uma ilha, durante vários dias.
É um romance de
personagem, está claro. Da importância que tem o que pensa, e faz, ou do que
leva a que pensem e façam, para além do nada que possa acontecer. Somos, todos
nós, responsáveis pelo que se passa à nossa volta. Pelo que fazemos, pelo que
não fazemos, e pelo que deixamos que se faça ou não.
Que história, ou
histórias, se propõe contar?
De uma personagem,
Afonso Elias Ayres Drumond, foco do narrador, das suas experiências objetivas e
subjetivas, à volta de necessidades, carências, falhas e suas consequências; histórias
de uma cidade, Funchal; de uma ilha, Madeira; de uma época, a metade do século
XIX e suas circunstâncias.
Já estive na
Madeira, em breve passagem de trabalho, mas aquela que me foi dada viver nesta
ficção está plantada, claramente, e até por vezes explicada, à laia de um
contabilista, em sapatas históricas, seguras, e levemente cinemáticas. A
contextualização social permite fazer viajar o protagonista para o exterior e
reconhecer aí as verdades necessárias e suficientes para um relacionamento do
seu ser com os outros, ora no espaço, meio social, ora no tempo, época em que
vive.
É aqui, na relação
entre o indivíduo e a sociedade que surge a aflição dramática.
Alguém
regressa à ilha da Madeira vinte anos depois, e querendo conhecê-la e
transformá-la, vê-se a braços com o jogo das impotências. Será que o consegue?
Ao tentar, ele faz
parte de atmosferas, emotivas umas, psicológicas, frias e mecânicas, outras,
sociológicas. Torna-se eternamente responsável por tudo o que cativa a partir
daí.
Há também um certo
nível mítico abordado neste catálogo de imagens. Capaz de mudar o individuo,
mas mais pérfido por se instalar nos inconscientes coletivos. Aqui damos conta
das revelações mutáveis à volta do destino humano, ou melhor, da jornada do ser
humano. O ser humano, tal como o protagonista, passa pelo mundo, em corredores
que se abrem, possíveis, mas manipuladores. O lado oculto quando se revela tem
tendência para se tornar mais desfavorável à condição humana, e serve sempre de
ligação entre personagens, do indivíduo à sociedade e desta ao nível geral da
existência humana. Assim é neste romance.
Um romance
tradicional, de drama social. De relações humanas, físicas e de mentalidades.
Não é uma história
passiva, é implicativa, é acima de tudo reflexiva ao ponto de ter laivos de
actualidade.
Com algum tempo de
exposição, como se de um trabalho fotográfico de revelação se tratasse, entramos
no enredo.
Ao narrador-guia
damos as mãos, e pelas insinuações das personagens, pelas referências soltas de
lugares, de ambientes sépia desenhando a ilha, o Funchal, as gentes, as colinas
sociais, as ruas íntimas, a ética e a moral, a falta de ambas, amores e usos, e
uma fortaleza a guardar o mar revolto, chegamos à ilha e aos ilhéus.
Na obra está assim
inscrito um convite a uma estadia, não tanto para fins terapêuticos mas para um
turismo de habitação, socialização, e descobrimento…
Visitamos várias
crises conflituantes, da britanização da ilha, da exploração de seus recursos,
nomeadamente do vinho, do abuso da massa operária, da gente simples, da
religiosidade e da política, de seus poderes sempre despudorados, da pobreza de
um povo e da sua emigração, de confronto de mentalidades, de uma cidade que é
campo e tarda em ser cidade, de um mar sem porto de abrigo para receber
dignamente um mundo que sabe que uma ilha flutua enquanto vive na ordem e no
progresso. Fora disso ela afunda-se em conflitos internos, próprios de cada
personagem, sépias ilustradas daquele e deste tempo.
Por outro lado,
para além da condição de visitante, também experimentamos a arte da fotografia,
e somos vagamente retratistas. Também tiramos retratos, a pessoas, a lugares e
a um tempo. Com um aspecto macio e rico, com linhas indefinidas, com detalhes
apagados e enevoados, a ficarem pendurados na curiosidade do leitor, os
calótipos da ilha lembravam os desenhos artísticos do protagonista, à espera de
serem vislumbrados de perto.
E quanto à
estrutura, perguntais vós?
Aqui falaremos de
enredo. Sequência temporal de eventos e de interacções entre personagens.
A estrutura
narrativa coloca-nos perante a ideia da jornada do herói.
A ligação do
protagonista ao ambiente geral, da ilha, permite uma situação dramática
dinâmica, em primeiros momentos vagarosa para depois, de forma mais eficaz,
abrir-se a alternativas mais cadenciadas de revelação dos acontecimentos. Mas
estamos na época do vapor, das carroças a cavalo, das corsas, na ilha, puxadas
a bois. O andamento da narrativa é compatível com esta existência social e
evolutiva do mundo.
O romance tem
implícita uma construção estruturada de guia turístico, indelével, mas ativa,
com um cicerone, o narrador, cheio de memória, de omnisciência, e com uma
vontade enorme de contar o que sabe. Abre caminho à cumplicidade com o seu
autor, para uma fluência narrativa prolixa, de palavras muitas, próprio de
António Breda Carvalho, quem o conhece de outros textos que o compre, narrativa
onde não lhe faltam vocábulos precisos, frases pujantes, indícios de
acontecimentos, reflexões de salvados…
O Romance, onde a
narrativa pauteia o perfil das personagens, o cenário dos lugares, o relógio do
tempo, e a acção comedida dos momentos, está nas mãos do poder de quem conta. E
ABC sabe contar.
E se a importância
deve estar no como as coisas
acontecem, para pensarmos nos porquês e nos para quês, é pelo narrador que,
dominando a sapiência, acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos e é pela
sua bitola que somos esclarecidos. Ele é o autor do postal ilustrado dos
entrechos «bordados a ouropel», palavras do autor.
A velocidade do
contar, pois é um romance claramente narrativo, dá-nos o tempo para a leitura.
E se falássemos dos
diálogos, como são?
A ilha é uma
redoma, criadora de virtudes mas também viciadora de desvios. As personagens
assumem pelos diálogos o que é ou deixa de ser. Os diálogos são esclarecedores,
e ativos, não fortuitos e menos ainda fúteis. Precisam-se.
Algo maquiavélica,
a ilha revela-se, aos atropelos, de um não olhes para o que eu digo e sim para
o que eu faço, porque somos seres moldáveis, no raciocínio, e pelos aromas
tentadores dos sentidos.
As personagens são
o que fazem mais do que o que dizem. Torna-se portanto também, um romance de
acção. Melhor, de acções. De causas e consequências, mais desta última do que
da primeira, pois são por vezes as palavras mais causadoras de acções futuras
do que as próprias ações.
E já agora, sobre
a arte e a técnica, o que dizer?
Que princípios e
regras estão aqui a defender a marca de água artística de ABC?
Provavelmente o
que gosta, o que lhe toca, o que aprecia, aprova como leitor, trans-sua para o seu texto como criador.
A qualidade literária bebe-se na leitura de uma obra de forma sôfrega, ou de
outra maneira, aos goles, pausados, sem soluços.
Entramos nesta
diegese, por vezes em frases longas de tirar a respiração. Outras vezes,
fazemos parte dela no mais simples narrar dos acontecimentos. Momentos houve em
que me deitei com as palavras nos diálogos e apartes textuais, a fecharem-me os
olhos da reflexão. Não foi fácil, admito, e desconcertante foi, porque exigente
de atenção. Há parágrafos e parágrafos…
A narrativa, pausada,
desbasta lentamente o tempo, o espaço, e a própria acção da história. Num tempo
de gestação, nove meses, acompanhamos o feto madeirense das intrigas até ao
parto final.
O autor consegue,
e mérito lhe seja outorgado, mostrar para além de dizer, que à força do
exercício das pulsões culturais, políticas, religiosas e individuais, do século
XIX, o Funchal, enfim, a ilha, determinam, o que são, apesar de poderem ou
deverem ser outra coisa, mais que não seja na opinião liberal da personagem de Afonso
Drumond.
A ilha é um estado
dentro de outro estado, do estado anímico e pensador dos seus habitantes.
Temos uma leitura
demorada, numa cadência rítmica de quem tem tempo para esperar, mas corrida, em
fio de água, para recebermos a revelação, em nove meses, de um retrato de uma
sociedade, à luz de olhos abertos, talvez demasiado abertos, pois colhem pólenes
e areias que os ares atlânticos fazem esvoaçar. E tudo muda porque muda o ser
humano.
Num esfregar de
olhos querendo clarificar, deixamos de ver muita coisa que entretanto acontece.
Preciso é estar
atento à leitura. Não se lê tudo de uma vez. Há águas mais profundas debaixo
das palavras.
A linguagem assim
o descreve. Bom gosto e bom senso na escolha dos termos, julgo eu. O que é
sintomático está à flor da pele, o que é implícito veste-se de uma certa armadura,
o que não tem que ser evidente, o estilo cobriu para mais tarde explodir.
Não parece ficar
nada pendurado, senão o que lhe é próprio, uma qualquer cartola que não serve à
narrativa senão de esplendor. Pura decoração.
Não se incomodam,
nem a ficção nem a história, a cansar o leitor. Antes, porém, se encontram a
ladear a narração, como se de uma moldura se tratasse, e puxam, paulatinamente,
para dentro da ilha. Para dentro do entendimento, da alegação de significados e
justificação de escolhas.
O enredo, de uma
leveza profunda, porque toca suavemente, o viver de todos, toca, no entanto,
vincadamente a cultura, os hábitos, os costumes, a religião, a luta ideológica
de seu tempo, de liberais e absolutistas, enfim, a sociedade atlântica da ilha
da Madeira da primeira metade do século XIX.
Entendem-se
gestos, compreendem-se as palavras, vislumbram-se os jogos de bastidores ou de
cama, retratos da cidade do Funchal que nos projectam para aquele século.
O romance é um
registo histórico bem contado, uma colecção de imagens, calótipos, de uma
realidade com nomes verdadeiros à mistura com os ficcionados que bem podiam ser
verdadeiros, terem existido, dada a sua caracterização.
Não é uma obra
intimista senão mais social, mas, provida sim, do que uma sociedade tem no seu
íntimo. As personagens sabem-no e dizem-no, o protagonista e o narrador pensam
nelas.
Este romance coloca
o seu protagonista numa teia de reconhecimento, de uma nova vida com nova
gente, de uma nova terra, vinte e poucos anos distanciada de memórias, de uma
nova sociedade, distanciada da que Afonso Ayres tem de hábitos e costumes, mais
a da sua reflexão e educação.
À medida que ele
se vai revelando, revela-se também tudo à sua volta, num calótipo fotográfico,
cujo processo primitivo faz obter gradualmente traços, e pontos, matizes
sociopsicológicos de um tempo e de um espaço que é a Madeira desse tempo. Só a
Madeira?
O quando, dá-se à
saliência, pois é tempo, como um gancho que prende, o que vai acontecer e como.
Agarrados a uma
certa viagem da reconstituição histórica, prendemos os dedos da leitura a
ficções de uma ficção bem tramada. Mais uma vez, a deferência do autor à
temática da fotografia, implica-se na construção do contar.
Muitos momentos de
trechos que são lidos, parecem ser amostras das experiências de laboratório, à
espera que os negativos revelem as imagens fotografadas, de que fazem parte, à
mistura, as palavras, os períodos, parágrafos, linguísticas diversas, como
líquidos e matérias necessários à revelação. Pois esse é o estilo. Se não foi
intenção do autor, o acaso bateu-lhe à porta. E bem. Se pelo contrário, pensou
em tentar fazê-lo, o acaso bateu-lhe à porta da intenção, e parece-me que muito
bem. Não há autores sem tentativa e erro. E este, tentou, cobriu erros e ganhou
estilo.
Parece-me, em
final de abundância, de boa índole, saudar o autor pelos anos de tentativa, e pelo
prémio de ter suplantado os seus erros.
Eis uma obra de
muitas, mas outra, e se fosse inimigo da sua pessoa, rogava-lhe uma praga:
Quantos mais anos
de vida lhe restarem, mais obras deverá ver-se obrigado a cumprir.
Para amigos, conhecidos
de longa data, o desejo de bom sucesso, pois muitas são as vezes, que para tal
existir, vastos são os amargos de boca, e sonos mal adormecidos.
João de Oliveira
(Supressão
e adaptação do texto de apresentação do romance O Fotógrafo da Madeira)
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LEITURAS DA FERNANDA
“O Fotógrafo da Madeira” de António
Breda Carvalho é um livro que não pode passar despercebido no círculo de
leitores portugueses. Porque na verdade um bom livro é aquele que nos espevita
a curiosidade, nos ensina e ao mesmo tempo nos conquista a alma. E esta foi
realmente uma leitura que me conquistou em absoluto.
Apesar do aviso do autor no inicio, a
realidade mistura-se com a ficção, e chegamos ao final com a esperança de que
as personagens de papel tenham sido inspiradas em personagens reais. O percurso
de Afonso Elias Ayres Drummond e a postura com que é apresentado não pode ser
apenas fruto da imaginação. Uma personagem tão extraordinária deverá ter sido
certamente inspirada em dois ou três personagens reais. Pessoas com ideais mais
altos que lutaram em prole de um povo e influenciaram o modo de pensar de uma
população. Quero acreditar nisso!
António Breda Carvalho faz parecer que
escrever é simples. Cativa-nos com a sua forma de escrever e com a maneira como
envolve o leitor. Julgo que a grande riqueza deste livro é mesmo essa, a
facilidade com que entramos na história e naquela época. O autor entrelaça a
história da Madeira com o desenrolar de um romance, à partida condenado pela
diferença social.
Adorei cada pedacinho deste romance ao
mesmo tempo que relembrava o que aprendi na escola e com outras leituras sobre
a História de Portugal.
Tenho apenas um ponto a apontar: a
rapidez com que se deu o desfecho, que apesar de tudo o sabíamos como sendo a
única solução.
Não obstante, foi uma leitura
extremamente interessante, com a qual aprendi imenso e me fez pensar que a
actual realidade política e social apenas reflete o passado.
Recomendo!
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ENTREVISTA PUBLICADA PELO JORNAL "I" EM OUTUBRO
Tem algum método
de escrita?
Tento cumprir o tempo destinado à
escrita, almejando alcançar o número de páginas previstas para cada sessão de
trabalho. Escrevo linearmente, construindo o romance como quem edifica uma
casa: dos alicerces para o telhado.
Faz algum esboço
das personagens e da trama?
Cada romance é escrito a partir
de uma grelha previamente elaborada. Tal como a planta de uma casa: cada
divisão é um capítulo, cada capítulo é um conteúdo. É por aqui que me oriento.
Parto da ideia, num capítulo, mas não sei que forma e matéria terá. É caso para
dizer que a história se autodetermina.
Faz muitas
pausas?
Faço as pausas a que estou
obrigado por imperativos profissionais e familiares. Tento evitar interregnos
extensos para não quebrar o ritmo de escrita. Por este motivo, não há lazer nos
fins-de-semana.
Espera pela
inspiração?
Não. Vou ao encontro da
inspiração durante o processo de escrita. A criatividade não nasce nem cai do
céu; é gerada por estímulos
intelectuais. É preciso procurá-la. Mas só a encontra quem a tem.
Escreve a
computador ou à mão?
Computador. O Word permite-me ter
boa perceção da estrutura do texto. E neste momento, estando obcecado
comas correções, o Word tem a vantagem de poder saltar de um lado para o outro
com facilidade.
Usa um tipo de
letra específico?
Times New Roman, tamanho 12.
Tem manias, como
acabar sempre uma página, por exemplo?
Gosto de acabar uma sessão de
trabalho com a página completa. Mas prefiro fechar o Word depois de ter completado uma sequência
narrativa, mesmo que isso implique uma página incompleta.
Pensa logo no
título ou surge depois?
Primeiro penso na ideia geral do
romance, e logo depois no título.
A primeira frase
mantém-se ou muda?
Não me lembro de alguma vez ter
mudado a primeira frase. Esta é já o resultado de um trabalho de seleção entre
um vasto leque de possibilidades. Por ser a primeira, tem de ser uma frase
perfeita em todos os sentidos. Pelo menos tento. As restantes sofrem, muitas
vezes, tratos de polé.
Evita ler livros
quando escreve?
Não. Invento tempo para ler, nem
que seja em sítios inusitados. Nem sequer receio sofrer influências de outros
autores. Nunca me desvio do registo de escrita selecionado para um romance.
Ouve música
enquanto escreve, ou prefere o silêncio?
Consigo trabalhar com ruído à
minha volta, em espaços privados e públicos, desde que ninguém interaja comigo.
Prefiro bandas-sonoras (de filmes, por exemplo).
Qual é a
sensação que fica quando termina um livro?
Se tiver a consciência de que
escrevi um romance com qualidade, fico com a sensação de que a vida é bela.
Este estado de graça dura menos de um mês; depois a vida, sem romance, deixa de
ter sentido, e a fome de escrita começa a apertar. Tornou-se um vício depois de
ter ganho o Prémio Literário João Gaspar Simões.
Trabalha em mais
de um livro ao mesmo tempo?
Não alinho neste tipo de
promiscuidade literária.
Escreve em casa?
Prefiro o aconchego do lar. Mas
sou bioadaptável.
O que não pode
faltar na sua mesa de trabalho?
Dicionário de Português e
internet.
Em que está a
trabalhar neste momento?
Estou a cinco capítulos do fim do
meu último romance. Como sou disciplinado, sei que estará pronto no dia 31 de Dezembro próximo. O título? É segredo.
Mas posso adiantar que é diferente de “O Fotógrafo da Madeira”. Em tudo.
Já deitou fora
muita coisa que tenha escrito?
Nunca me aconteceu. Guardo tudo: o
bom e o medíocre. Não tenho trabalhos incompletos, vitimados pela crise da folha em branco. Levo as
empreitadas até ao fim. Só desisto rendido à falta de qualidade.
Como dá o nome
às suas personagens?
Procuro nomes que tenham a mesma força,
ou fraqueza, das personagens
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PRAÇA DO BOCAGE
Um livro… uma sugestão
09Sexta-feiraNov 2012
É nas noites frias e chuvosas que, deitado, viajo pelo
universo… com os meus livros.
Hoje fui conhecer a capital da Madeira – terra linda –
com suas belezas naturais… e “feridas” profundas que causam mais dores que
alegrias aos que lá vivem. Eu conto.
A vida – eu já o sabia – tem sido difícil para todos,
em particular para os mais pobres, para os que vivem do seu trabalho. Ontem
como hoje o desemprego, a emigração e o empobrecimento são verdades que não
carecem de demonstração, porque são reais e visíveis – com pequenas oscilações
intermitentes – e que não descolam deste nosso mal viver.
E é da vida das gentes do Funchal, no já longínquo
início do século XIX, que o autor – António Breda Carvalho – centra a narrativa
do seu último livro, O fotógrafo da Madeira, que pela qualidade
da escrita e pelo retrato original e fidedigno da época – escrita que
reconstrói o ambiente social, político e económico de então – merece a melhor
atenção.
A vida dos mais desfavorecidos – por oposição à boa
vida dos “fartos” –, a justiça – a que existe não satisfaz, porque injusta, a
que se anseia… tarda –, o bem e o mal, a liberdade religiosa, as relações de
poder instituídas e os seus interesses, os pequenos enredos, mesquinhos, os
jogos e as ambições desmedidas, a insaciável busca de protagonismo dos
mentecaptos, o sofrimento e a vida rude e dura da maioria, em desconformidade
com o prazer e a luxúria de alguns, são realidades descritas com uma
“transparência lúcida” e de forma inteligente.
E mesmo em tempos de escuridão, a vida também é feita
de relações de amizade, de amores e paixões, com ou sem sexo, de heróis e
vilões, de aparências, de intrigas e de jogos políticos que minam os valores e
os verdadeiros interesses que urge prosseguir.
Esta é uma terra de contrastes onde a cor e a dor
marcam o viver de cada dia.
Um livro a ler… sem qualquer dúvida.
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