OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE





Edição da polémica Chiado Editora, afinal a jangada dos autores náufragos e a prova de que há qualidade fora do clube dos autores-do-costume a que as editoras nem sempre ligam ou em quem não apostam, não sendo portanto promovidos. Pela minha parte estou atento a eles… mas eu faço o que quero!
Outro excelente romance! Passará desapercebido pelas razões do marketing editorial, mas no mínimo eleva-se ao nível dos que preenchem os escaparates das livrarias e anunciam outros prémios ou terem sido finalistas dos mesmos, se bem que este também apresente uma menção honrosa!
António Breda é um escritor maduro, um homem com uma história e uma terra, que vive a sua vida nessa terra e escreve sobre elas, num estilo culto todavia corrente, claro e fácil de ler, por isso atraente para qualquer leitor - talvez fruto da experiência de professor e de comunicador?
Suavemente condimentado pela boa disposição que nos contagia, o tema e os personagens que não sendo originais são tratados de forma inédita no nosso panorama literário, numa trama inteligentemente urdida e muito bem desenvolvida, encadeada na lógica da narrativa e a par desta, sem recurso ao andar-para-a-frente-e-para-trás como vem sendo costume e sobretudo montada numa rápida sucessão de curtos episódios que resulta muito bem pelo dinamismo que lhe imprime e não pesa ao leitor seguir a acção.
Não deixa de ser notável localizar-se numa época em que o paralelo é evidente para o leitor atento e que deve ter sido escolhida por nela se encontrar tudo para um romance-fábula, onde ao comentar e descrever os acontecimentos passados estabelece um inegável e claro encadeamento de acontecimentos coincidentes com a actualidade política, económica e social que vivemos hoje e cujo desfecho desconhecemos, ao contrário daquilo que se passou e ele narra!
Ficamos presos e amigos deste Valdemar, um tipo como tantos que conhecemos e com muito de nós-mesmos, um empreendedor, desenrascado e que até é bom-tipo no fundo… moldado e condicionado pelo mal e pelo bem que o rodeiam, conhece baixos e altos e nem por isso perde o seu modo de ser.
Parece um bocado da história de Portugal e do seu povo, sem dúvida!
Aconselho vivamente, até para que se perceba que não são só as “grandes editoras” quem tem o apanágio dos bons autores e bons romances! Advogo que alimentemos a clandestinidade saudável, a que não esconde terroristas mas de onde surge tanta coisa boa, sejam os autores marginais ou as chouriças da D. Rosalinda e o vinho do Sr. Tadeu, sem marca ou rótulo mas com o sabor genuíno e nosso.
António Luiz Pacheco, in Horas Extraordinárias, 01.10.214

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ENTREVISTA
 
Quem é António Breda Carvalho?
António Breda Carvalho é um cidadão mealhadense, com 54 anos de idade, que gosta de ler, escrever, correr e jogar bridge (jogo de cartas). Aprecia o silêncio, o sossego, a boa convivência e a solidariedade.
É professor de Português, na vida profissional. Ser docente nesta área implica ser escritor ou vice-versa?
Ensinar português não implica ser escritor porque são competências distintas. A prova disto é a existência de escritores em todos os sectores profissionais. Um professor de português sabe ensinar literatura, mas pode não saber escrever um texto literário. No meu caso, ser professor e escritor, simultaneamente, é mera coincidência que contribui para me sentir feliz como pessoa e realizado como profissional do ensino.
Quantas obras já publicou?
No total, 11 obras.
Estudos locais: Mealhada – A Escrita do Tempo; Um Século de História – Misericórdia da Mealhada.
Estudos regionais: Acúrcio Correia da Silva e a Bairrada.
Antologias literárias: O Buçaco na Literatura; Montemor-o-Velho – Percursos Literários; Escritas e Escritores da Bairrada.
Contos: In Vino Veritas; A Ver Navios.
Romances: As Portas do Céu; O Fotógrafo da Madeira; Os Azares de Valdemar Sorte Grande.
O Fotógrafo da Madeira inaugura a segunda fase da minha vida literária. Com este romance, passei a assumir a escrita literária com mais seriedade e com mais maturidade.
Como começou este “bichinho” pela escrita literária?
O Prémio Literário Região da Bairrada, em 1989, despertou-me o “bichinho” da escrita. Importante para a continuidade foi o círculo de escritores da então fundada Associação de Jornalistas e Escritores da Bairrada, que durou sete anos. Hoje relaciono-me e convivo com um novo grupo de escritores, da Bairrada e da Gândara, e com alguns académicos. Somos uma família literária.
O romance que apresentará, no próximo sábado, na Mealhada, intitula-se “Os Azares de Valdemar Sorte Grande” e recebeu uma Menção Honrosa da Câmara da Figueira da Foz. Já arrecadou outros prémios?
De 1989 a 2013 contabilizo 19 distinções. No entanto, de 2002 a 2007 escrevi apenas um conto; foi distinguido. Depois nova paragem até 2010, ano em que escrevi o romance O Fotógrafo da Madeira. A partir daqui nunca mais parei. 16 prémios de conto e 3 romances premiados: As Portas do Céu, O Fotógrafo da Madeira e Os Azares de Valdemar Sorte Grande.
 



De que falam as suas obras?
Na generalidade, as minhas obras abordam temas sociais plasmados em enredos ficcionais, integrando também reflexões acerca da condição humana. O registo literário varia em função do tema e da intenção que quero dar à obra.
Qual a próxima?
Não sei qual será o próximo romance a ser publicado. Nem sei se publicarei pela ordem cronológica de escrita; depende de muitos fatores. A obtenção de um prémio pode precipitar a publicação de um romance em detrimento de outros mais antigos. Só tenho a certeza de que a morte é a única coisa que me poderá impedir de escrever e publicar.
 
Jornal da Mealhada, 17.09.2014


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O BLOGUE "SILÊNCIOS QUE FALAM" ANUNCIA A EDIÇÃO DO ROMANCE

LINK: O MAIS RECENTE ROMANCE DE ANTÓNIO BREDA CARVALHO


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OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE - António Breda Carvalho


Prémio literário João Gaspar Simões – Menção de Honra

(Romance) Chiado Editora - 255 págs.



António Breda Carvalho (ABC) brindou-nos recentemente com mais um espantoso romance, OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE - Prémio literário João Gaspar Simões – Menção de Honra - Chiado Editora (2014). Este livro centra a sua acção na cidade da Figueira da Foz, e surge na linha do anteriormente publicado pela Oficina do Livro (2012), “O Fotógrafo da Madeira” – Prémio literário com o mesmo patrono, dois anos antes -, e que situava o enredo e as personagens na cidade do Funchal. Ambos os livros têm idêntico tempo histórico (meados do séc. XIX, o primeiro, e dobrar do século, o segundo) e pano de fundo assente em questões políticas e sociológicas similares. ABC apresenta neste, tal como no livro anteriormente premiado, um domínio maduro da Língua Portuguesa e um à-vontade extraordinário nos diálogos, especialmente, naqueles que se ligam ao jogo, à boémia noturna e aos casinos.


Um romance escrito na primeira pessoa, muito envolvente e irónico, com o protagonista a relatar, desde o início até ao fim, as peripécias por que passou. O momento em que Eduardo Matias (o patrão, marceneiro) coloca a manápula no ombro, o ombro de Valdemar, inicia uma vida de maturidade, de aprendizagem, que elucida também o leitor nas questões da História de Portugal, (Monarquia e República), culminado o enredo deste romance na crise da 1ª Grande Guerra Mundial.

Aquela bengala dançando na minha mão e a cigarrilha consumindo-se de prazer ao canto da boca é um raro momento de literatura, bem como, na pág. 54, quando soprou a poeira da peça que segurava e falou com voz tremida, enfim, como nas noites de amor que nunca conta em pormenor a Judas, o ouvinte (narratário) desta estória. O mesmo Judas que nos surpreende no fim, o Judas que negou Cristo por três vezes, tal como a sua amante Argentina o negou cedendo a seu pai (ao valor da herança), ao marido (indo viver com ele para Lisboa), e finalmente ao seu filho, ainda bebé: Mamã, quem é aquele homem sem uma mão; aquele maneta é um homem que já foi rico e agora não tem cheta. A começar nos apelidos do próprio protagonista, Sorte Grande, quase todos os nomes das personagens tem associada alguma simbologia: Argentina, a amante (mulher de dinheiro, l’argent); o pai (de baixa estatura física) era Rodolfo Marques Grande; a mãe era apelidada Roda da Sorte; a irmã, a mais nova do clã Sorte Grande, era a Delfina, etc..

Mas há ainda outra simbologia, associada a grandes escritores e livros que o protagonista lê em pontos-chave da evolução (ou queda) da sua vida: Os Simples, de Guerra Junqueiro; A Queda de Um Anjo, de Camilo; e nomeia, ainda, Eça de Queirós e outros grandes escritores da época.

Como o próprio ABC refere: trata-se de um livro simples, escrito de rajada, mas não se trata de um livro inocente, pois a complexidade desta narrativa surge das releituras que podemos vislumbrar a cada passo, e em especial no FIM, como se de três socos no estômago se tratasse, num baque quase em simultâneo: (1) o desvendar do personagem Judas, (2) o revelar-nos o filho de cabelo ruivo de Valdemar, já com 4 anos de idade, com as características físicas do pai (ruivo); (3) o apresentar-nos o homem que já foi rico, Valdemar, que foi proprietário de uma grande empresa (na pesca do bacalhau) e agora pede esmola com o cão nas ruas da Figueira da Foz.

Nesta obra admirável, sorvedora do nosso tempo como sanguessuga, poderia começar no fim, o fim como início, prólogo, epílogo, ou vice-versa, como pescadinha de rabo na boca, que gira e se consome a si própria, incessantemente. Apenas lhe encontro um se não, e já perto deste fim: repetidas cacofonias, na pág. 249: uma mão, sete vezes repetida, ainda que para dar ênfase ao maravilhoso texto em que se insere, pecará por excesso.

Por último, é pena que grandes editoras do mercado não agarrem pérolas de escrita como esta, OS AZARES DE VALDEMAR SORTE GRANDE merecia maior distribuição/divulgação, em suma, e, por analogia, este romance devia chegar a todo o mundo, ser lido por muita gente.

ANTÓNIO CANTEIRO

Barracão – 2014.08.30
 
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RECENSÃO POR CRISTINA TORRÃO (escritora)

A personagem principal deste romance, natural da Figueira da Foz, nasceu a 25 de abril de 1874, uma escolha interessante por parte do autor, já que pretende retratar o tempo da passagem da Monarquia à República, em Portugal. Sorte Grande, como a própria personagem explica, não é alcunha, o pai chama-se Rodolfo Marques Grande e a mãe Ana Roda da Sorte. Sendo filho de pescador, Valdemar não tem praticamente hipóteses de subir na vida. Mas põe-se com ideias. Primeiro, porque lhe elogiam a inteligência na escola, aprende muito bem a ler e a escrever e descobre gosto pelos livros. Segundo, porque a sua mãe e, mais tarde, a sua irmã, trabalham no palacete Vila-Real, propriedade do barão local. Tanto o barão, como a esposa, gostam do seu jeito e da sua esperteza (e também a filha de ambos, que se torna na grande paixão do rapaz). O convívio naquela alta roda abre-lhe o apetite, Valdemar decide ser alguém na vida.

Irá, porém, encontrar muitos obstáculos. O primeiro é livrar-se do seminário. Com o seu jeito para os estudos, tanto os pais, como os barões de Vila-Real, assim como o pároco local, são de opinião de que ele deve ser padre. Valdemar devia ter aprendido logo a lição: os ricos podem achar-lhe piada, mas não o admitem no seu meio, ao seu nível. Ser padre é o destino mais indicado para um filho de pescador com algum cérebro, um destino que consideram mais do que privilegiado. Ao recusar tal benesse, Valdemar compromete toda a sua vida. Ele possui, porém, força de vontade. A seguir a cada derrota, torna a levantar a cabeça e é isso que o torna simpático, aos olhos do leitor. À medida que o enredo avança, contudo, vai-se tornando cada vez mais oportunista, perdendo os escrúpulos. Mas não vou revelar mais pormenores.

O romance, no seu estilo irónico, um pouco cínico, prendeu-me do princípio ao fim. Penso que fazem falta livros destes em Portugal, livros que sabem entreter, sem menosprezar a qualidade. António Breda Carvalho constrói muito bem o evoluir do carácter da sua personagem. Valdemar embrenha-se na política, os tempos a partir de 1910 são propícios a quem procura a sua oportunidade. Mas é claro que a ideologia partidária passa para um plano secundário, bem atrás dos interesses pessoais dos seus protagonistas.

Além das peripécias de Valdemar, o leitor é presenteado com um bom o retrato da Figueira da Foz daquela época e, no fundo, de todo o país. António Tavares, vereador do Pelouro da Cultura da Câmara da Figueira da Foz e finalista do último Prémio LeYa, escreve, no prefácio: «Mais do que um figueirense, Valdemar é um homem de um certo Portugal, num período que vai do fim da Regeneração à I República. Pobre e rude como o país, usa a sua esperteza de "comediante" para sobreviver aos maus momentos».
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