CRÓNICA (12)


APANHA A FLOR!



É agora, Maria! Não hesites...

Esta é a tua oportunidade de apanhar a flor. A flor que idealizaste para ti, que sempre trouxeste cingida ao coração, que levemente tocaste algumas vezes, sem coragem de a apanhar, para fazeres dessa posse o sentido da tua vida.

É agora, Maria! Não hesites...

Olha para trás e vê as pétalas secas e murchas que viçosas caíram da flor. Eras tão nova, tão cheia de sonhos, tão cheia de certezas para teres a flor segura nas tuas mãos e, no entanto, sempre te resignaste a um destino que foste consentindo. Merecias melhor, Maria, tu bem o sabes, mas só de ti te podes queixar, por teres trilhado um caminho que não foi feito para os teus pés.

É agora, Maria! Não hesites...

Rasgaste projectos, queimaste ideias e apagaste sonhos para dares vida a outro. Deste tanto de ti para receberes tão pouco, e ainda ficaste em dívida porque tudo o que davas nada valia. Desististe de ti para que outro pudesse ser... desinteressado de ti. Esvaziaste o teu ser para que outro pudesse ser inteiro. Passaste fome de viver para seres alimento da vida de outro que não te soube viver.

É agora, Maria! Não hesites...

Lembra-te daquela vez em que descobriste que tudo na vida se conjurava contra ti. Com enganos tentavas iludir-te, com ilusões tentavas enganar a vida, mas era esta e o outro que te enganavam com flores de plástico. E mesmo assim tu ficaste à espera da hora que nesse momento inventaste.

É agora, Maria! Não hesites...

Adiaste a tua flor para que os teus filhos fossem flores. Durante longos anos fizeste da tua vida a vida deles para que eles pudessem vir a colher a flor que te faltava. E ela estava tão perto, mesmo ao alcance da mão; bastava um gesto, um corte... Mas permaneceste quieta, na esperança da flor que tardava.

É agora, Maria! Não hesites...

E assim ficaste a olhar a flor! Olhavas para ela e dela ficavas seduzida. Olhavas para ela e imaginavas tê-la na tua mão, aberta às carícias dos teus dedos, aos beijos dos teus lábios, ao aconchego do teu coração. Olhavas para ela e fazias da tua dor a glória dos vencidos.

É agora, Maria! Não hesites...

Esquece os anos que te começam a pesar, esquece os cabelos brancos que te começam a despontar, esquece as rugas que te começam a desenhar. Olha para dentro de ti, procura a flor que escondeste de ti própria, essa flor cuja beleza é sempre a mesma porque para ela o tempo não existe. Sai de ti, olha a vida cá fora e descobrirás que a flor que te espera pode muito bem ter todo o tempo do mundo que deixaste para trás.

É agora, Maria! Não hesites, apanha a flor!

Ganha coragem! Abre a janela e solta a dor que te sufoca, desce à rua e despe a roupa que te não pertence, grita bem alto à multidão «SOU EU...» __ e segue em frente, corre, corre, voa, voa, e verás que a vida é ainda uma flor a abrir.

É agora, Maria! Apanha a flor!



Jornal da Mealhada, 387, 02.01.2002